
Já repararam como o universo pirata invadiu e conquistou espaço em nossas vidas classemedianas? Não, não falo de Cd’s, tênis e outras quinquilharias sem as quais não mais vivemos, e sim de uma síndrome que se alastra e encontra terreno fértil nos falsos sentimentos, nas falsas promessas, nos falsos olhares e sobretudo, nas amizades sem o certificado do Inmetro. Acredito que fui contaminado porque nesse exato momento, encontro-me prostrado ardendo em quarenta graus de tédio, delirando em tergiversações e tiritando com a frieza que emana da imagem das pessoas na Tv. Devo estar muito mal mesmo pra usar três gerúndios em uma frase pra me fazer entender. Deve ser a febre.
Em verdade vos digo que, no estado em que me encontro, o melhor que tenho a fazer é não me preocupar com a vida falsificada dos outros. Tenho que dar especial atenção à minha, que já foi infectada. A minha vida sim é uma vida pirata. Meus amores são fruto de pilhagens, minhas relações interpessoais estão sempre na iminência de andar na prancha, exatamente como este desabafo de falido crônico atirado aos tubarões. Para ser sincero, esse é mais um dos confusos textos que costuro na cabeça com retalhos do que vejo, ouço, sinto, distorço e só não o apago pelo prazer de atiçar a maledicência de outros tantos dodóis como eu.
Às vezes penso que talvez esteja sofrendo do mal que vem do outro lado da Ponte da Amizade e acredito que já não seja o único nessa ilha cercada pelo mar de Janaína. Vejo pessoas com o mesmo olhar toda vez que me meto à besta de pôr os pés na rua e arrisco-me a dizer que todos os infectados a quem eu conheço e desconheço já começaram a apresentar todos os sintomas típicos desta moléstia: opacidade nos olhos, enfado na expressão, sorriso amarelado, sinais que quase sempre se manifestam nos lugares em que não se quer estar e com pessoas com as quais não há a menor chance de se entabular uma conversa agradável. E não há remédio desenvolvido pela ciência que dê jeito nessa síndrome, nem quarentena; ela já se alastrou pela cidade.
Uma outra cepa do vírus da síndrome do Paraguai é responsável pela amnésia. Eu, que sempre achei que isso fosse coisa de filme B, fui obrigado a capitular, tão logo me dei conta de que as pessoas que se falavam alegremente em um dia, sequer se olhavam na rua no outro. Que se abraçavam numa hora e na outra se digladiavam. Que brigavam com tudo e com todos até ficarem sozinhos. A propósito, sobre o que estávamos falando mesmo, heim? Que lugar é esse? Quem é você? Cadê meu rum?