domingo, 30 de dezembro de 2007

Sentimentos do Paraguai.


Já repararam como o universo pirata invadiu e conquistou espaço em nossas vidas classemedianas? Não, não falo de Cd’s, tênis e outras quinquilharias sem as quais não mais vivemos, e sim de uma síndrome que se alastra e encontra terreno fértil nos falsos sentimentos, nas falsas promessas, nos falsos olhares e sobretudo, nas amizades sem o certificado do Inmetro. Acredito que fui contaminado porque nesse exato momento, encontro-me prostrado ardendo em quarenta graus de tédio, delirando em tergiversações e tiritando com a frieza que emana da imagem das pessoas na Tv. Devo estar muito mal mesmo pra usar três gerúndios em uma frase pra me fazer entender. Deve ser a febre.

Em verdade vos digo que, no estado em que me encontro, o melhor que tenho a fazer é não me preocupar com a vida falsificada dos outros. Tenho que dar especial atenção à minha, que já foi infectada. A minha vida sim é uma vida pirata. Meus amores são fruto de pilhagens, minhas relações interpessoais estão sempre na iminência de andar na prancha, exatamente como este desabafo de falido crônico atirado aos tubarões. Para ser sincero, esse é mais um dos confusos textos que costuro na cabeça com retalhos do que vejo, ouço, sinto, distorço e só não o apago pelo prazer de atiçar a maledicência de outros tantos dodóis como eu.

Às vezes penso que talvez esteja sofrendo do mal que vem do outro lado da Ponte da Amizade e acredito que já não seja o único nessa ilha cercada pelo mar de Janaína. Vejo pessoas com o mesmo olhar toda vez que me meto à besta de pôr os pés na rua e arrisco-me a dizer que todos os infectados a quem eu conheço e desconheço já começaram a apresentar todos os sintomas típicos desta moléstia: opacidade nos olhos, enfado na expressão, sorriso amarelado, sinais que quase sempre se manifestam nos lugares em que não se quer estar e com pessoas com as quais não há a menor chance de se entabular uma conversa agradável. E não há remédio desenvolvido pela ciência que dê jeito nessa síndrome, nem quarentena; ela já se alastrou pela cidade.

Uma outra cepa do vírus da síndrome do Paraguai é responsável pela amnésia. Eu, que sempre achei que isso fosse coisa de filme B, fui obrigado a capitular, tão logo me dei conta de que as pessoas que se falavam alegremente em um dia, sequer se olhavam na rua no outro. Que se abraçavam numa hora e na outra se digladiavam. Que brigavam com tudo e com todos até ficarem sozinhos. A propósito, sobre o que estávamos falando mesmo, heim? Que lugar é esse? Quem é você? Cadê meu rum?

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O cão, as zebras e o mendigo.




Acordei hoje com uma sensação nova. Enquanto ainda estava no estado em que não mais se dorme, mas ainda não se está acordado, percebi um leve roçar de línguas entre os meus dedos do pé. Foi então que a ficha caiu: minha casa era agora um lar com um cão. Ou melhor, uma cadela. Catita é o nome desta mocinha, que chegou a mim graças à bondade de pessoas a quem eu nem mesmo perguntei o nome e sem a ajuda das quais ela já teria virado sabão.

Impressionante é a sua educação. Faz as suas coisinhas sempre na rua _ e eu sempre as recolho_ com classe incomum para um ser de quatro patas. Ela é, sem dúvida, muito mais esperta que algumas “zebras” que conheci pelas minhas andanças mundo afora. Não precisa de muito para viver: só ração, água e muito carinho. E isso eu posso dar. Fico de queixo caído ao perceber que a única mácula presente, uma cicatriz horrenda, resquício dos maus-tratos sofridos por seu antigo feitor (não, ela não teve um dono), não lhe tira o sono e muito menos o brilho dos olhos. Perto dela, fico com vergonha de reclamar das minhas, que me foram impressas não no meu lombo, mas em algum lugar semelhante ao que chamam de alma, feridas que não só não evitei como ainda por cima as permiti, e por vezes, acredito que até por achar que merecia, gostei. Eu, entretanto, tive poder de escolha e não posso culpar a ninguém. Nem mesmo às zebras.

Quando arroto a minha humanidade aos quatro ventos e me permito o livre exercício do pensar_ navego em minhas sandices, erros e acertos que de uma semana pra cá, tem desembocado em seus olhinhos vívidos e gratos_ escancaro a identidade do verdadeiro ser irracional nessa história. Penso na altivez da minha nova companheirinha, inabalável sob qualquer circunstância, ao contrário da minha. Ela, por exemplo, não se intimida com o fato de algumas pessoas dizerem que sou maluco de pôr um animal em casa na situação de penúria financeira em que me encontro, que posso ser confundido com um mendigo por ter uma cadelinha tão esquálida e perebenta, e coisas que tais. Pensando bem, todo viramundo que se preze tem um pulguento como companheiro de dureza. Eu só torço para que ela tenha espírito de equipe e fidelidade o suficiente para sair em minha defesa e meter os dentinhos na canela do chato em questão. Se for assim, então tudo bem.

Ela infelizmente não sabe ler e nem escrever. Se pudesse, entenderia em um átimo o que essas palavras de novo dono de cachorro não conseguem expressar, por mais profundas que elas arrogantemente teimem em ser e que nem com toda a pompa e circunstância podem ser traduzidas para o idioma au-auês. Ao que parece, o “Grande Arquiteto” dotou os animais com um mecanismo de agradecimento muito mais profundo e singelo que a esnobe justaposição de palavras feita por mim pode explicar.

Ela entende e retribui do jeito dela, o significado de uma das mais belas e sobre-humanas palavras. O que este ser me diz em resposta com os olhos, não cabe na palavra “obrigado”. Disto tenho certeza e dou fé. Afinal, os cães, ao contrário de nós, não sabem, não querem e nem precisam fingir gratidão para sobreviver. Os cães não mentem. Já descobriram que vivem melhor desse jeito faz tempo.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Primeira Rasura.

Outro dia desses, um dia em que as coisas parecem andar em câmera lenta de tão quente, me dei conta de que há meses não cuidava da silhueta. Vaidoso demais, diriam alguns, mas sei lá, de uns tempos pra cá não tenho andado assim tão satisfeito comigo mesmo a ponto de me olhar no espelho e estufar o peito numa galhardia de mãe de miss.

Cheguei à conclusão que deveria expurgar o pecado da preguiça, agora charmosamente chamado de sedentarismo em um longo, aquoso e salgado banho de mar. Justamente o mar, que com o seu movimento constante de vai-e-vem soberano sobre todas as coisas à sua superfície e abaixo dela, serviu-me de divã por tantas vezes. À propósito,ao prestar um pouco mais de atenção no verdadeiro dono dessa ilha, finalmente percebi que ele é um sujeito injustiçado. Sim, o tom impessoal é intencional. Transmuto o mar em sujeito porque posso, afinal sou seu amigo íntimo. Quantas pessoas passam por ele todos os dias aboletados em caixas amarelas, azuis e verdes que mais parecem lagartas apressadas e não lhe fazem a merecida reverência? A esses, posso dizer sem o menor levantar de pestanas um solene “azar o de vocês”.

O mar, caro amigo, é o sujeito mais honesto que eu conheço. De pronto posso afirmar que ele não pega nada que é de ninguém e, quando o faz, logo se encarrega de devolvê-lo, tão logo os rumos da maré o permitam. Tampouco engana a quem não o conhece, o que é louvável de sua parte. É o templo dos cinco sentidos. Tato, paladar, olfato, visão e audição aguçam o espetáculo que é entregar-se à volúpia de um bater de braços e pernas contra a correnteza. Enfim, de estar vivo. Só um verdadeiro e honesto amigo pode lhe oferecer tanta coisa em troca de um simples encontro, um “olá”...

Entretanto, devo admitir que não tenho feito a parte que me cabe nessa relação. Tenho, isto sim, que render-me à constatação óbvia de que nunca poderei retribuir o que a mim foi dado livremente por ele, o mar. As sensações de abandono e de desesperança simplesmente escorrem feito água do meu pensamento em direção ao ralo das más idéias com um simples banho. Idéias que teimam em surgir por puro capricho. Idéias que trituram toda capacidade de compreensão e de conexão com o mundo de um sujeito como eu, que não foi muito bem visitado pela virtude da paciência, e que tem por melhor amigo o “mar oceano”. Idéias que, como cabelo no ralo, entopem e sufocam toda e qualquer chance de destruição criativa e que provocam esse rancor que endurece as juntas do corpo e da alma. Existem muitas e aos borbotões, tantas que para eu não sucumbir à loucura de pensar, logo viver é que tento afogá-las... Idéias imbecis, mas que teimam em rodear meus pensamentos nestes dias de mais barriga e menos amigos. Idéias maldosamente travestidas de solidão.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

terça-feira, 23 de outubro de 2007