terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Primeira Rasura.

Outro dia desses, um dia em que as coisas parecem andar em câmera lenta de tão quente, me dei conta de que há meses não cuidava da silhueta. Vaidoso demais, diriam alguns, mas sei lá, de uns tempos pra cá não tenho andado assim tão satisfeito comigo mesmo a ponto de me olhar no espelho e estufar o peito numa galhardia de mãe de miss.

Cheguei à conclusão que deveria expurgar o pecado da preguiça, agora charmosamente chamado de sedentarismo em um longo, aquoso e salgado banho de mar. Justamente o mar, que com o seu movimento constante de vai-e-vem soberano sobre todas as coisas à sua superfície e abaixo dela, serviu-me de divã por tantas vezes. À propósito,ao prestar um pouco mais de atenção no verdadeiro dono dessa ilha, finalmente percebi que ele é um sujeito injustiçado. Sim, o tom impessoal é intencional. Transmuto o mar em sujeito porque posso, afinal sou seu amigo íntimo. Quantas pessoas passam por ele todos os dias aboletados em caixas amarelas, azuis e verdes que mais parecem lagartas apressadas e não lhe fazem a merecida reverência? A esses, posso dizer sem o menor levantar de pestanas um solene “azar o de vocês”.

O mar, caro amigo, é o sujeito mais honesto que eu conheço. De pronto posso afirmar que ele não pega nada que é de ninguém e, quando o faz, logo se encarrega de devolvê-lo, tão logo os rumos da maré o permitam. Tampouco engana a quem não o conhece, o que é louvável de sua parte. É o templo dos cinco sentidos. Tato, paladar, olfato, visão e audição aguçam o espetáculo que é entregar-se à volúpia de um bater de braços e pernas contra a correnteza. Enfim, de estar vivo. Só um verdadeiro e honesto amigo pode lhe oferecer tanta coisa em troca de um simples encontro, um “olá”...

Entretanto, devo admitir que não tenho feito a parte que me cabe nessa relação. Tenho, isto sim, que render-me à constatação óbvia de que nunca poderei retribuir o que a mim foi dado livremente por ele, o mar. As sensações de abandono e de desesperança simplesmente escorrem feito água do meu pensamento em direção ao ralo das más idéias com um simples banho. Idéias que teimam em surgir por puro capricho. Idéias que trituram toda capacidade de compreensão e de conexão com o mundo de um sujeito como eu, que não foi muito bem visitado pela virtude da paciência, e que tem por melhor amigo o “mar oceano”. Idéias que, como cabelo no ralo, entopem e sufocam toda e qualquer chance de destruição criativa e que provocam esse rancor que endurece as juntas do corpo e da alma. Existem muitas e aos borbotões, tantas que para eu não sucumbir à loucura de pensar, logo viver é que tento afogá-las... Idéias imbecis, mas que teimam em rodear meus pensamentos nestes dias de mais barriga e menos amigos. Idéias maldosamente travestidas de solidão.